quinta-feira, 9 de abril de 2015

Odisseia

Recebo meu salário sempre no quinto dia útil do mês, como muita gente por aí. Não, não quis dizer que recebo o pagode e vou direto pra zona do meretrício gastar meus suados reais, mas que vivo uma realidade comum a quase todos os assalariados brasileiros.

Enfim, quando o dia do pagamento cai próximo a um fim de semana, já me confundo nas datas. Piora ainda quando tem feriado, como aconteceu dia desses, na Sexta-feira Santa. Eu achava que iria receber na terça-feira, estava empolgado, vibrando internamente (não é isso que você está pensando) com as possibilidades vindouras a partir do momento que a firma depositasse meu dinheiro na conta. Passou o dia e eu, ávido por novidades e com um fio de esperança, conferi periodicamente meu saldo pela Internet (é, sou desses que vive perigosamente). Nada de depósito e só então fiz as contas dos dias e percebi o ledo engano: o quinto dia útil seria quarta-feira. Cacilda!

Após o trampo, tinha de ir ao centro de Curitiba e voltei só no final da noite pra casa, umas 23h40 (moro em São José dos Pinhais, município vizinho, pra quem não conhece). E não tinha grana pra por créditos no celular, não pude avisar minha irmã (santa irmã, que sempre prepara minha marmita pro dia seguinte) que eu iria voltar pra casa, e ela provavelmente supôs que eu fosse dormir na casa de algum(a) amigo(a) em Curitiba, e logicamente não separou a comida em um pote pra eu levar pro trabalho.

Nessa terça à noite, tive falta de ar e não parava de tossir - tenho isso desde a mais tenra idade, até me acostumei, mas é um saco. Demorei um pouco para dormir e, na quarta, levantei um pouco atrasado para ir ao trabalho, meio zumbi. Quase perdi o ponto, distraído com esses joguinhos fascinantes do smartphone.

Lá pelas 10h30, no escritório, saí da minha sala para ir ao banheiro me distrair com esses jog... digo, fazer minhas necessidades. No caminho, notei meu tênis (eu disse TÊNIS) um tanto folgado no pé e vi o cadarço meio solto. Dentro do banheiro, constatei que o mesmo simplesmente se arrebentou. Sozinho, sem explicação. Lá fui eu tirar o tênis, jogar o pedaço menor do cadarço fora e amarrar de volta com certa dificuldade (sou velho, gordo sedentário e considero qualquer atividade física insalubre).

No almoço, num restaurante ali perto, gastei meus últimos trocados, fiquei totalmente zerado. Durante a tarde, mais tosse e, pra piorar, meu nariz entupiu, o que aumentou consideravelmente a falta de ar. Mas sou uma cara super "pra cima", otimista, retardado e tal. Sempre penso que tudo vai melhorar e, óbvio, ajudava meu psicológico lembrar que receberia o salário nesse mesmo dia. Pelo menos, até saber, através de comentários aleatórios, que já haviam depositado o dinheiro dos funcionários, menos o meu. Eu sabia que não havia sido depositado porque via pelo site do banco toda hora. E comecei a pensar se não tinham se esquecido de mim, sei lá, muita correria, poderia acontecer esse tipo de coisa.

Chegou a hora de ir embora do serviço e nada. Eu estava andando cabisbaixo, um tanto conformado, em direção ao ponto eletrônico. Mas, ao passar pelo departamento pessoal, fui chamado. Lembraram de mim! Não fui esquecido! Eu sabia, a vida é bela! Na sala, o gerente financeiro me chamou e disse que ia pagar em dinheiro mesmo. Melhor ainda! Até, é claro, eu ver o valor no holerite. Nem meu otimismo debiloide me salvou da imediata depressão que criou morada em mim naquele momento. Muitos descontos, vale extra e conta alta do convênio com a farmácia (onde só compro porcaria, quase nunca remédios mesmo). Veio muito pouco. Quase chorei, mas me contive, não queria que me vissem totalmente abalado. "Resta agora apenas ir pra casa", pensei. E fui. Ou, melhor, tentei.

Antes, passei na farmácia (comprar remédio pra tosse e pro nariz entupido, nem comprei besteiras, apesar de você, leitor(a) pensar isso). Depois, calmamente, fui à panificadora. Calmamente, porque eu decidi pegar um ônibus que pára quase em frente à minha casa, mas que demora um pouco mais pra chegar no meu ponto. Caso contrário, teria de pegar um pro centro de Sanjuba (apelido do lugar em que moro) e mais um para minha casa, que também demora a passar - já notaram que moro longe, certo?

Cheguei no ponto umas 18h25, o ônibus direto pra casa passaria ali umas 18h45. Fiquei esperando, ouvindo o bom e velho Morrisey pelos fones. Esperando. E esperando. Olhei as horas, o coletivo chegaria a qualquer momento, fiquei esperto. É uma avenida muito movimentada, principalmente nesse horário, por isso tenho de ficar esperto sempre. Mas... Nada. Não passou. "Atrasado", pensei. E esperei mais. E mais, e mais... Já eram umas 19h e lá vai pedrada (falou assim, é véio) e só eu e uma mulher no ponto, esperando o mesmo busão. Não veio. Simplesmente não apareceu. E tem poucos horários essa linha, não dava pra esperar o próximo. Resolvi, indignado, pegar o que ia pro centro mesmo. Um pequeno detalhe nisso tudo: sou míope, já estava anoitecendo e mal enxergava o nome dos ônibus pra pegar o certo (só tenho certeza que o outro realmente não passou porque tinha essa mulher junto esperando - ou seria ela míope também?). Resultado, passaram dois (DOIS!!) que iam pro centro de Sanjuba e eu perdi por não enxergar direito. Até que, finalmente, consegui avistar um e o peguei. Desci no centro e, puto, peguei um táxi pra casa (que se dane o mundo).

Cheguei umas 20h em meu lar (lembre-se: saí do trampo às 18h), com frio, porque às 18h ainda estava de boa sair só com a camisa e não quis colocar a blusa. E tossindo pra caralho. Tanto que a maldita tosse me tirou o sono. Aí lembrei que comprei remédio. Lembrei tarde da noite, mas lembrei. Tomei o xarope e capotei. No final do frigir dos ovos, não consegui acordar cedo - efeito colateral do remédio. Ao acordar, ainda estava com muita tosse e falta de ar. Ainda estou, enquanto escrevo estas linhas, em casa, porque não consegui ir ao trabalho. E não tenho atestado, porque não fui ao médico. Não fui ao médico porque não tenho dinheiro e nem plano médico.

Certeza que mês que vem eu vou chorar no dia de pagamento novamente. Digo, se eu acertar o dia.

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